Introdução

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O meu objetivo é o de colaborar para a construção de um mundo melhor. Com este intento, pretendo que este espaço seja recheado de pensamentos, poemas, poesias, quadras e textos de minha autoria e de autores diversos.

Espero que a leitura das matérias aqui publicadas lhe tragam descontração e prazer.

Meus dados biográficos:

Gustavo Dantas de Melo, natural de Borda da Mata/MG. Sou filho dos saudosos Agenor de Melo e Maria Dantas de Melo. Casei-me com Maria Jóia de Melo, filha do comerciante Luiz Jóia Orlandi e Maria Delfino Jóia, donos do antigo “Bar do Ponto”, que serviu como o primeiro terminal rodoviário de Borda da Mata. São nossos filhos: Regina Maria (namorado Rafael), Luiz Gustavo (casado com Adriana), Rosana Maria (casada com Darnei) e Renata. Netos, por ordem de chegada: Gabriel, Mariana, Gustavo, Ana Júlia, João Vítor e Ana Luíza.

Advogado, professor secundário e universitário. Promotor de Justiça dos Estados de Minas Gerais e de São Paulo, tendo sido titular das Comarcas de Bueno Brandão/MG, São Luiz do Paraitinga, Cruzeiro, Mogi das Cruzes e São Paulo. Encerrei a carreira ministerial como Procurador de Justiça de São Paulo/SP. Atualmente, exerço a advocacia em Borda da Mata, minha cidade natal e na região do Sul de Minas Gerais.

Autor da obra “Reflexões”, editada pela APMP, em 2001, uma coletânea selecionada de artigos publicados durante o período em que fui diretor chefe do jornal “A Cidade” de Borda da Mata. Em 2009, trouxe à lume minhas “Farpas do Coração”, um livro de memórias, em que registro fatos vivenciados em quase meio século de vida familiar, social e profissional. Ao mesmo tempo, revelo personagens e acontecimentos pitorescos da querida cidade natal, transmitindo, sobretudo, minha experiência ministerial e vivência na cátedra do magistério universitário, ao abordar temas políticos e jurídicos de manifesto interesse nacional.



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

"Figuras folclóricas bordamatenses"


Alguns personagens marcaram época em nossa cidade e serão sempre lembrados. Na minha infância, recordo-me da pessoa de “Pai João”, um velho negro de braços fortes e porte vigoroso, que conhecera os rigores da escravidão e gostava de contar fatos dos tempos que antecederam sua alforria. Com sua barba comprida e seus cabelos brancos, ao contar suas estórias, era uma figura simpática e que infundia respeito.
Acredito que várias cidades brasileiras, a exemplo de Borda da Mata, conheceram outros negros semelhantes a “Pai João”, narrando os horrores de uma época em que o ser humano foi tratado e negociado como “objeto” de propriedade do seu senhor. Felizmente esse tempo de barbárie e humilhação, que nos envergonha, está terminado...
Outro personagem, que coincide com a época áurea do cinema bordamatense, foi “Dito Capitão”. Papai era dono do prédio do cinema. Iniciou suas atividades ainda na fase do cinema mudo e, quando os primeiros filmes sonoros começaram, fazia questão de exibir aqui os melhores daquela época, com ou sem prejuízo financeiro. Os filmes eram contratados em Cruzeiro; tio Sanico era o responsável pela projeção, enquanto tio Juquita ficava na bilheteria e mamãe na portaria; Chatola, mais tarde um dos melhores jogadores de futebol da história do esporte bordamatense, quando ainda adolescente, foi vendedor de pipocas e amendoim torrado. Um detalhe: papai, mão aberta que sempre foi, deixava a criançada entrar na metade da exibição.
Justamente nesse período de minha meninice, lembro-me da figura popular de “Dito Capitão”, um preto de pequeno porte, com um “papo” saliente e sempre com um sorriso nos lábios. Era ele famoso, porque embora pequeno fisicamente, havia comentários de que seria “bem dotado”, particularidade que o tornou objeto da curiosidade popular.
Sabedores de que era fã de cinema, todos gostavam também de indagar-lhe a respeito de nomes de filmes, dos quais sabia informar detalhes, inclusive os nomes de artistas e conversar, principalmente, sobre capítulos de seriados e fitas estreladas por Tyrone Power, Maria Montez, Tarzan, Roy Rogers, Ton Tyler e Buck Jones. Aprendera também usar algumas expressões em inglês como “very god” e “god night”, que todos gostávamos de vê-lo pronunciar, em suas respostas. Enfim, na sua simplicidade, “Dito Capitão” foi uma dessas peças raras e inesquecíveis do folclore bordamatense.
        Mais uma personagem fantástica povoa a minha lembrança. Trata-se de “Dorica”. Ela viveu muitos anos na casa da família do Sr. Augusto Cobra, casado com a professora Isaura Megale Cobra, respeitável anciã (recentemente falecida) que por muitos anos morou na Rua Herculano Cobra. Ali Dorica trabalhava como doméstica e os ajudou a criar filhos e netos.
Quem não se lembra dessa mulher, em trajes ciganos, sempre com saias bem rodadas, adornos chamativos, com o rosto bem pintado, falante, cantando e dançando em nossas praças ou defronte a Igreja Matriz! ... Era uma espécie de embaixatriz da alegria, que trazia na face a pureza das almas inocentes e, em seu sorriso, a simplicidade, a riqueza da bondade e magia que a todos nós encantava! Dorica é uma dessas figuras que acabam se transformando em mitos. Uma espécie de anjo bom que Deus nos enviou em seus desígnios insondáveis, para cumprir – quem sabe – uma grande missão. Talvez mostrar que a felicidade está nas almas de pessoas simples como esta personagem, sendo o prêmio merecido dos muitos gestos concretos de amor, única fonte inesgotável de paz e de alegria...
          Um certo dia, minha querida sobrinha Márcia Érica, filha do caríssimo mano Agenor, que sempre aqui passava férias em sua primeira infância, sumiu a tarde toda; depois de exaustiva busca, só foi encontrada, já no cair da noite, na entrada do cemitério. É que, embevecida, estava acompanhando a Dorica que atraía a criançada com seu verdadeiro “show”, cantando e dançando com a costumeira graça e alegria.
        Foi então que minha estimada cunhada Leda, estressada pela preocupação, ao chegar em casa sua filha Márcia, recebeu-a com boas chineladas, sobrando uma delas para sua sobrinha, Regina, que, inseparável da sua amiga, fora a primeira a entrar no quarto. Márcia Érica, confirmando a ocorrência, em telefonema recente, contou-me que, curiosa, de fato acompanhara Dorica, naquela tarde. Então, num verdadeiro ritual, Dorica colhia flores no jardim da praça, que depois levava ao cemitério, colocando-as em diversos túmulos, onde rezava em voz alta, com Márcia Érica e outras crianças.
Outro personagem popular que conheci, foi “Zé Janeiro”, cujo nome verdadeiro desconheço. O mês de janeiro, época de chuvas fartas, é o mês mais propício para a colheita de abobrinhas, que nele nascem com abundância. Sabendo que ficava bravo, ao ser chamado pelo apelido, a criançada, por tabela, mexia com o Zé, perguntando-lhe qual o mês das abobrinhas. E como, após a pergunta, sua reação imediata era lançar mão de um porrete, logo saíam correndo em desabalada carreira, enquanto o pobre homem, indignado, tentava alcançá-los, proferindo os mais variados palavrões...
Recordo-me ainda do personagem Orestes, famoso pela resposta “cinco” a tudo que lhe era indagado.
Quantos anos você tem, Orestes? – Cinco, respondia ele, embora com boa idade nas costas.
          Quantos irmãos? – Cinco.
Quantos pares de sapato? – Cinco.
Quantas casas? – Cinco.
Enfim, “cinco” era a resposta que sempre trazia nos lábios para qualquer pergunta. Somente mudava, quando lhe indagavam:
Com quem você vai se casar?
- Com a Nice do Amadeu, prontamente respondia. Nice era a jovem mais linda e formosa da cidade, o que prova que de bobo não tinha nada. 
Orestes era pobre e morava no bairro do buracão, atual Bairro São Francisco, assim batizado pelo governo do Dr. Vavá, onde se localiza também a Vila Vicentina. Era lambão e andava sujo, com as unhas compridas. Corria na cidade um boato de que se alimentava com “merda de galinha” e virava lobisomem nas noites de lua cheia. Por isso, a criançada morria de medo dele, como se isso fosse realmente verdade.
      Outro personagem folclórico foi um roceiro, homem trabalhador e honesto, vendedor de laranjas, que costumava vir até a cidade com seus jacás sobre o lombo da mula. De idade avançada, ele era completamente surdo e, por essa razão, suas respostas não tinham nexo algum com as perguntas que lhe eram feitas. Daí a imaginação popular inventou um dos seus possíveis diálogos com um freguês que lhe comprava laranjas:
           “Como vai sua mulher?”, disse-lhe o freguês.
         “-Pode chupar que é boa; se não gostar não precisa pagar nada...”, respondeu o vendedor, convencido de que seu produto era de ótima qualidade.
         Finalmente, o personagem Joaquim “Pacuera, que exercia a profissão de barbeiro para a gente mais simples da cidade, ficou célebre pela excelência do português com que tabelou os preços de seu estabelecimento:
-       Cortume e penteio de cabelo -  10 mil reis;
-        Façume de barba – 05 mil reis.
“Fregueis, fassa o favor de não pedir fiado”.
(Extraído de meu livro "Farpas do Coração", Edição APMP, ano 2009, páginas 56 a 60).
Gustavo Dantas de Melo

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