Bom humor faz bem à saúde. Pessoas amargas e rancorosas, de mal com a vida, costumam afastar os outros.
Meu amigo, Dr. Sílvio Fausto de Oliveira, neto de meu padrinho José Modesto, é um exímio e bem humorado contador de estórias. Falante e extrovertido, toda vez que nos encontramos, gosta de narrar os seus casos, sempre divertidos.
Hoje, tenho a alegria de trazer para cá uma das crônicas de sua notável obra “Recordações Pitorescas de Barro Preto”, Editora Vitória, edição 1993, páginas 187/188. O livro retrata muito bem o excelente humor do seu autor. O personagem “Cintura Fina”, embora pareça real, com certeza, é pura criação da fértil imaginação do preclaro amigo, promotor de justiça aposentado, atualmente morador da bela cidade de Uberaba/MG:
“José Plutarco de Arimatéia era um rapagão moreno, um quarentão desengonçado, um carioca divertido, conhecido nas rodas da prostituição pela alcunha de Cintura Fina. A polícia também o distinguia, mas como exímio navalhista do antro das mariposas, assim chamada a zona boêmia da cidade. José Plutarco de Arimatéia não tinha nenhum parente ou amigo, nenhum vínculo com a terra do Manduri, ninguém sabia explicar como foi que ele um dia surgiu na cidade.
Naquela época, como os desmunhecados não faziam concorrência às mulheres do meretrício, José Plutarco de Arimatéia ganhava a vida trabalhando como garçon na boite Alvorada. Graças a sua delgada silhueta e os requebros com a bandeja, pelo salão de dança, servindo os fregueses, ele recebeu o sugestivo apelido de Cintura Fina. Apesar dos vários anos que morou na pequena cidade de Barro Preto, jamais perdera o sotaque do carioca da gema, pois sempre puxava os “erres” com muita sutileza e elegância.
Certa madrugada, quando o movimento da boite estava pra lá de fraco, as putas sonolentas nas mesas, um gaiato embriagado e insolente resolveu tirar umas casquinhas do Cintura Fina. Foi o bastante para que o carioca, criado no morro, no meio da nata da malandragem, virasse uma fera, distribuísse sopapos no atrevido, obrigando os policiais militares, em número de cinco, a intervir. No meio do entrevero, Cintura Fina sacou da navalha e desferiu golpes a torto e a direito, defendendo-se como pode, até que foi dominado e preso. No final da refrega, Cintura Fina apresentava muitas escoriações pelo corpo; e os milicianos, ferimentos cortantes nos braços e nas mãos.
Certo dia da semana, o promotor de justiça, conforme determinação legal, na companhia do carcereiro, foi fazer uma visita de praxe na cadeia da cidade. Ao passar pela cela seis, se assustou ao ver sentada na cama o vulto de uma mulher bem vestida e bem pintada. O representante da sociedade, embora surpreso, não titubeou, pois virou-se rápido para o carcereiro e protestou:
- Dedé, como é que o senhor colocou na mesma cela, no meio de tantos presos do sexo masculino, uma mulher?
- Doutor, esse cara aí é homem, mas efeminado. É o famoso Cintura Fina, que gosta de se vestir de mulher - esclareceu o aflito guarda da cadeia.
Nesse instante, aproximou-se da porta da cela uma mulher de turbante colorido na cabeça, vestida de blusa escarlate, que escondia um volumoso sutiã, de saia marrom comprida e rodada com uma faixa larga de seda castanho apertando o fino quadril, de sapato alto, cheia de bijuterias cobrindo o pescoço e enfeitando os braços, de batom nos lábios e ruge rosa nas faces. Entre o vão da grade, Cintura Fina estendeu a mão de unha esmaltadas, e numa voz amaricada falou:
- Muito prazer, doutor promotor. Eu me chamo José Plutarco de Arimatéia, mas todos me conhecem por Cintura Fina.
O promotor de justiça não respondeu a saudação, mas logo compreendeu o que estava acontecendo no presídio. Sem demonstrar nenhuma perplexidade diante do inusitado quadro, procurou de imediato uma solução para o intrincado problema. Para tanto, perguntou ao efeminado detento porque ele estava preso, quanto tempo ainda faltava para cumprir a pena, e se ele não desejava, porventura tivesse direito, ganhar a alforria, tirar o restante da pena em liberdade condicional. Mal o doutor ouviu do carcereiro que o preso estava cumprindo pena de dois anos e quatro meses de reclusão, pelo crime de furto, em regime fechado, mas que iria, quanto antes, transferi-lo para uma cela individual, na ala correcional, Cintura Fina encostando a boca no meio das grades, numa voz melosa, interveio:
Doutor, muito obrigada, daqui não saio nunca, nem morta!”
Sílvio Fausto de Oliveira (obra citada)